A Visão Retrospectiva de Romanos 7: O Passado de Paulo na Perspectiva Presente

STEPHEN J. CHESTER

Em Romanos 6, Paulo descreve o que significa estar unido a Cristo no batismo e tornar-se escravo da justiça (6:18-19). Um de seus aspectos importantes é que significa estar “debaixo da graça” e não mais “debaixo da lei” (6:14). Em 7:1-6, Paulo aborda a questão da lei, explicando ainda que a era da lei agora deu lugar à do Espírito (7:6). Em Romanos 8, ele explica isso ainda mais, descrevendo a liberdade trazida àqueles em Cristo pelo Espírito e as obrigações que ela acarreta. Mas o que dizer do material interveniente apresentado em 7:7-25? Onde ele se encaixa no argumento de Paulo? É claro que Paulo está preocupado em demonstrar que seu contraste entre a era da lei e a do Espírito não questiona a bondade da lei de Deus. Seu evangelho é consistente com a santidade da lei, e ele deseja explicar como a lei pode ser inerentemente boa e usada pelo pecado como seu instrumento. Paulo consegue isso em 7:7-25 ao descrever uma batalha contra o pecado na vida de um indivíduo, mas, no processo, ele legou aos seus intérpretes questões exegéticas clássicas que geraram divergências ao longo da história cristã. O uso de pronomes na primeira pessoa por Paulo em 7:7-25 indica que ele é autobiográfico ou, de fato, assume outra persona? Após sua mudança para verbos no presente em 7:14, Paulo ainda fala da existência pré-conversão como em 7:7-13, ou 7:14-25 descreve, em vez disso, a luta atual do crente em Cristo contra o pecado? 7:14-25 é a primeira parte de uma descrição da vida em Cristo que continua em Romanos 8, ou retrata a experiência de Paulo da condição da qual aqueles em Cristo são resgatados e para a qual Romanos 8 fornece a antítese? Ou, de fato, essas alternativas são muito precisas, e o argumento de Paulo diz respeito à experiência de todos com a lei, seja antes ou depois de receber a Cristo? As respostas dadas a essas perguntas determinam como se entende o que Paulo tem a dizer sobre a luta humana contra o pecado, e as diferenças de opinião aqui se tornam, por sua vez, vinculadas a diferentes visões de conversão, da igreja e da vida cristã. Um rigoroso envolvimento exegético com o texto de Paulo é, portanto, indispensável se quisermos que nossa interpretação faça mais do que simplesmente refletir nossas próprias preferências e tradições. Para ouvir claramente o verdadeiro significado do texto, devemos nos dedicar à tarefa de compreender o que Paulo, e o Espírito Santo por meio dele, estava dizendo aos destinatários originais da carta de Paulo em Roma. No entanto, essa tentativa nunca ocorre no vácuo. Se compartilhamos a convicção de que Deus usa as Escrituras para transformar vidas, nossos esforços de exegese estarão sempre ligados e influenciados por nosso discernimento sobre quais interpretações serão espiritualmente frutíferas hoje para nós e para os outros.

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ROMANOS 7 E A CONVERSÃO DE PAULO

POR WERNER GEORG KÜMMEL

INTRODUÇÃO.

O capítulo 7 de Romanos tem sido uma das partes mais controversas do Novo Testamento desde os tempos antigos. O fato de conter uma descrição à qual o leitor pode adicionar experiências relacionadas tem levado repetidamente o texto a ser examinado quanto ao seu conteúdo. Um interesse dogmático logo se seguiu: o capítulo tornou-se evidência a favor ou contra a visão de que a moralidade relativa também existe fora do cristianismo. Por outro lado, os reformadores encontraram sua convicção fundacional do cristão como “simul iustus et simul peccator” confirmada neste capítulo, enquanto o pietismo via um perigo moral na afirmação de “non posse non peccare“. Portanto, a questão de saber se o cristão ou o não cristão está sendo retratado tem sido discutida repetidamente, sem que um lado seja realmente capaz de convencer o outro.

Com o recente debate acadêmico, dois aspectos adicionais foram acrescentados a essa controvérsia de longa data, atraindo interesse. Primeiro, Romanos 7 desempenhou um papel decisivo na questão de saber se a visão de Paulo sobre a vida moral cristã era a mesma que a de Lutero, de modo que Lutero jamais poderia afirmar que a explicação de Romanos 7 era relevante para a questão de saber se a alegação da dogmática protestante de ter herdado o legado de Paulo era verdadeira.[1] Isso é certamente um exagero, mas demonstra a importância que uma compreensão correta dessa passagem deve ter tido para toda a compreensão de Paulo. No entanto, outro aspecto se tornou muito mais significativo do que isso. Se isso está correto, e a maioria dos estudiosos concordava com isso, que Romanos 7 não poderia descrever a condição do Paulo cristão, então o capítulo estava fadado a se tornar uma fonte importante para a vida do Paulo pré-cristão; pois não se via outra alternativa senão “Paulo pré-cristão ou cristão”. Mas não se tratava apenas de uma fonte para a experiência pré-cristã de Paulo: muito mais importante para a maioria dos pesquisadores era que isso oferecia uma possibilidade de compreender a conversão de Paulo. Essa explicação se adequava à situação científica em dois aspectos. Primeiro, emergiu que, também para Paulo, a experiência ética e o senso de pecado eram uma pré-condição decisiva para sua experiência religiosa, algo que vinha sendo amplamente considerado como um fato incontestável da vida religiosa desde o Albr. Ritschl. Mas então, com o uso de Romanos 7 para a conversão de Paulo, surgiu a possibilidade de obter uma compreensão psicológica da experiência de conversão. Essa possibilidade foi naturalmente muito bem-vinda para uma perspectiva que se acostumara a aplicar linhas de raciocínio psicológicas em todos os lugares, e tem sido amplamente explorada em todos os aspectos.

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ROMANOS 7:14, 18[1] – Gordon Fee

14 Porque sabemos que a Lei é espiritual, mas eu sou carnal, vendido à escravidão do pecado

18 Sei que o bem não habita em mim, isto é, na minha carne.

Sem dúvida, este é um dos usos mais surpreendentes do adjetivo πνευματικός no corpus paulino.[2] Nesta tentativa de exonerar a Torá, pode-se entender bem o fato de Paulo ter dito no v. 12 que a Lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. Afinal, essas três palavras refletem a compreensão de Paulo e sua herança sobre o caráter essencial de Deus; e visto que a Lei vem de Deus, que é ele próprio santo, justo e bom, o mesmo ocorre com a Lei. Mas, à luz dos fortes contrastes entre Lei e Espírito em 2:29. 7:6, e especialmente 2Co 3:3-18, não estamos totalmente preparados para esta afirmação da Lei, de que ela pertence ao lado espiritual das coisas, não ao da carne.

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Richard Watson, em Conversations for the young (1834), nas páginas 234-235:

[N]o sétimo capítulo [de Romanos] o apóstolo prova que a lei não é mais capaz de regenerar do que de justificar; já que o máximo que pode fazer é descobrir a extensão e a desesperança de nossa escravidão ao pecado, deixando-nos clamar: “Miserável homem que sou, quem me livrará do corpo desta morte!” uma libertação que é efetuada por Cristo: pois aqueles que estão “nele”, como lemos no próximo capítulo, não apenas estão livres da condenação, mas “não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito”.

Mas se o apóstolo neste capítulo não fala de si mesmo, por que ele fala na primeira pessoa?”

Ele pode falar de sua própria experiência quando estava sob a lei, isto é, sob a escravidão e a condenação que ela revela a um homem iluminado e convencido por ela; mas não de sua experiência como crente, pois nesse caráter ele fala no próximo capítulo e diz: “Porque a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus me libertou da lei”, ou poder, “do pecado”. e morte.” Em ambos os casos, porém, deve-se considerar que ele fala verdades gerais em sua própria pessoa, um modo comum a todos os escritores.

A conclusão do seu argumento, portanto, é que da lei, nós, como criaturas culpadas, nada podemos derivar senão “o conhecimento do pecado” e sua consequente penalidade; mas que uma verdadeira fé na expiação de Cristo se torna o instrumento certo de nosso perdão gratuito e isenção da condenação, estado em que de aceitação recebemos o Espírito regenerador de Deus e somos libertos do poder do “pecado”, bem como de morte.”

Tradução: Antônio Reis

O Dilema Maniqueísta de Agostinho, 2 – A Construção de Um Eu “Católico”, 388-401 d.C

Por Jason David BeDuhn

Capítulo 6

A Problemática em Paulo

Apesar das tentativas posteriores de Agostinho de reivindicar um lugar de destaque para Paulo em sua conversão inicial e nos primeiros anos como católico, a evidência de seus próprios escritos mostra incontestavelmente que Paulo veio dramaticamente ao primeiro plano de sua atenção em meados da década de 390, como um conjunto intenso de descobertas exegéticas que R. A. Markus comparou a um deslizamento de terra.[1]  Da mesma forma, Peter Brown considera neste breve período o “fim de uma visão distinta e mais clássica da condição humana com a qual ele próprio estava comprometido no momento da sua conversão.”[2]  A transformação foi permanente e profunda. Patout Burns fala em prol de um amplo consenso quando destaca que “apenas nos seus comentários paulinos é que os temas caracteristicamente agostinianos começaram a aparecer.”[3]  Seria, portanto, um erro interpretativo fatal ignorar as circunstâncias em que emerge este novo Agostinho. Pois, como observa Paula Fredriksen, “a mudança de Agostinho para um pensamento mais bíblico – ou, talvez melhor, uma linguagem mais bíblica – pode assim ser vista em parte como uma estratégia adaptativa e uma necessidade estratégica”[4] – não simplesmente para adotar a linguagem bíblica preferida dentro do discurso católico, mas especificamente para estabelecer a bandeira interpretativa católica no terreno contestado de Paulo. Sempre vagamente consciente da disputa sobre Paulo, ele a experimentou em primeira mão no seu debate com Fortunato.

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O PECADO E A MÁ INTERPRETAÇÃO DE ROMANOS 7

Por James P. Shelly

Ao considerar o tema do pecado na vida de um cristão, Romanos 7:14-25, interpretado como crente, é a passagem mais usada para sustentar sua prevalência. Sem dúvida, essa interpretação da passagem teve uma influência significativa na extensão em que o pecado é aceito como normativo na vida do crente. O uso de Paulo do tempo presente “eu”, que abordaremos mais adiante neste capítulo, levou muitos a supor que Paulo está se referindo a si mesmo em seu estado atual como cristão. Paulo diz nos vv. 18-19, “Pois tenho o desejo de fazer o que é certo, mas não a capacidade de realizá-lo. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero é o que continuo fazendo” (ênfase adicionada). A NASB diz: “Eu pratico o mal que não quero“. Se Paulo, um dos santos mais eminentes e notáveis ​​da história da Igreja, está falando de si mesmo como cristão, o que mais devemos esperar do chamado cristão comum e ordinário? Só Deus sabe quantos milhares de cristãos professos usaram as palavras de Paulo para defender a regularidade do pecado em suas próprias vidas. Podemos ver na seguinte citação de A. W. Pink o impacto que essa interpretação pode ter na percepção do que deve ser típico na experiência do cristão:

Este gemido, ‘Miserável homem que eu sou [v. 24],’ expressa a experiência normal do cristão, e qualquer cristão que não se queixa assim está em um estado anormal e doentio espiritualmente. O homem que não pronuncia esse clamor diariamente ou está tão fora da comunhão com Cristo, ou tão ignorante do ensino das Escrituras, ou tão enganado sobre sua condição real, que não conhece as corrupções de seu próprio coração e o abjeto fracasso de sua própria vida. Aquele que está verdadeiramente em comunhão com Cristo, vai… emitir este gemido… diariamente e de hora em hora.[1]

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Romanos 7 – Uma História da Interpretação

Stephen Voorwinde

O debate em torno de Romanos 7 tem uma longa e fascinante história. Embora possa ser rastreada até os Pais da Igreja, ela cresceu em intensidade e diversidade ao longo do século XX. Quaisquer que fossem as opiniões defendidas antes dessa época, o denominador comum entre eles era a suposição de que os comentários de Paulo eram de natureza autobiográfica.[1] No século XX, essa suposição foi fortemente contestada. Um novo candidato surgiu. A visão de que as referências de Paulo ao egō são não autobiográficas ganhou cada vez mais aceitação. Com o tempo, entretanto, tornou-se evidente que, dentro dessa visão, também haveria várias escolas de pensamento. Os problemas em torno de Romanos 7 apresentam um enigma exegético que não desapareceu, mas apenas parece aumentar em complexidade com o tempo. A história da interpretação serve para destacar a dificuldade que enfrenta qualquer leitor consciencioso de Romanos 7.

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Um Leopardo Pode Mudar Suas Manchas? Agostinho e a Questão Criptomaniqueísta

Por Paul Rhodes Eddy

Abstrato

Ao longo de sua vida, Agostinho enfrentou a acusação de que, apesar de sua aparente conversão à fé Cristã ortodoxa da Igreja Católica, seu pensamento, todavia, manteve vestígios de sua permanência de aproximadamente dez anos com os Maniqueus. Ninguém foi mais implacável nessa acusação do que o inimigo Pelagiano de Agostinho em seus anos finais, Juliano de Eclano. Ao longo da maior parte da historia da igreja, a reputação de Agostinho foi pouco perturbada por essas acusações de criptomaniqueismo. No entanto, ao longo do último século, mais ou menos, a acusação voltou a ganhar vida. Este artigo começa com uma breve orientação para alguns dos principais princípios filosóficos e teológicos do Maniqueísmo, com ênfase naqueles elementos que serão importantes para avaliar a questão de Agostinho. Em seguida, a história da acusação de que o Agostinho Cristão permaneceu de uma forma importante e ainda inconsciente, um Criptomaniqueísta será rastreado desde o tempo de Agostinho até o presente. Finalmente, uma direção metodológica em que uma solução eventual para essa questão de longa data pode ser considerada.

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O “Homem Miserável” de Romanos 7: 14-25 como Reductio ad absurdum ‘

 

Sabemos que a lei é espiritual; eu, contudo, não o sou, pois fui vendido como escravo ao pecado. Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. (Romanos 7: 14-15).[1]

  1. Uma breve descrição das questões interpretativas

O homem miserável é um Cristão ou não?[2] Esta tem sido uma antiga ponderação desde os primórdios da igreja, seguida de perto por, se a passagem é autobiográfica. No século XX, a discussão foi definitivamente moldada por Riimer 7 und die Bekehrung des Paulus (1929)[3], de W.G. Kummel. Ele argumentou que:

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