1Jo 2.19

Por Paulo Cesar Antunes –

“Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós.”

Este texto é muito parecido com o de 1Co 11.19 (“E até importa que haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós”).

Aqueles que defendem a impossibilidade de apostasia final usam este verso para tentar provar que todos aqueles que abandonam a comunhão dos cristãos nunca foram, na verdade, crentes verdadeiros. Se fossem, teriam permanecido entre eles. Não irei fazer aqui uma defesa da apostasia final. Outros versos podem prová-la.

John Gill acredita que esta passagem foi usada para que “não se forneça nenhum argumento contra a perseverança dos santos.”[1] Quero tanto mostrar que não foi esta a intenção do apóstolo como provar que este verso não fornece nenhum argumento a favor da perseverança dos santos.

Apresentarei, em primeiro lugar, o entendimento calvinista comum deste verso, e então passarei a mostrar por que ele não é justificável.

Citarei apenas Albert Barnes, considerando que ele conseguiu extrair em um único comentário praticamente todo o entendimento calvinista do verso. Ele diz que “esta passagem prova que estas pessoas, quaisquer que tenham sido suas pretensões e profissões, nunca foram cristãos sinceros. A mesma observação pode ser feita de todos que se apostatam da fé, e se tornam professores do erro. Eles nunca foram verdadeiramente convertidos; nunca pertenceram realmente à igreja espiritual de Cristo.” Falando especificamente da frase “se fossem de nós, ficariam conosco,” ele conclui que “não poderia haver uma afirmação mais positiva do que essa que está contida aqui, que aqueles que são verdadeiros cristãos continuarão a ser como tais; ou que os santos não decairão da graça.”[2]

Antes de avaliar estas afirmações, é necessário que se diga que as versões não concordam entre si quanto ao texto “não são todos de nós.” Em lugar de “são” algumas versões trazem “eram,” e a palavra “todos” não é encontrada em algumas delas (a versão siríaca, por exemplo). Se a versão correta for “não eram todos de nós,” então, como observam Jamieson, Fausset e Brown, “esta tradução significaria que alguns dos anticristos são de nós.”[3] Adam Clarke chega até a sugerir que “estes falsos mestres provavelmente afastaram muitas almas sinceras com eles; e é provável que o apóstolo alude a isto quando diz, não eram TODOS de nós. Alguns eram; outros não eram.”[4] De qualquer forma, nenhuma versão diz que “eles nunca foram de nós,” o que decidiria toda a questão. Da forma como está, pode ser entendido perfeitamente que, em algum momento anterior não especificado, “eles não eram de nós.” Se ou não alguma vez foram, o apóstolo não nos diz. Sua apostasia demonstrou que não eram de nós, não que eles nunca foram verdadeiramente convertidos. Pode até ser que foram, dada a linguagem do apóstolo, que fala do diabo como aquele que “peca desde o princípio” (1Jo 3.8), o que certamente não significa que o diabo peca desde o princípio de sua existência. Em algum momento o diabo se apostatou, e por isso pode ser dito que ele peca desde o princípio (de sua apostasia). A sua apostasia demonstrou que o diabo não era um verdadeiro servo de Deus, senão ele teria permanecido entre os servos de Deus, mas isto está longe de provar que o diabo nunca foi um verdadeiro servo de Deus.

Mas aqueles que defendem a possibilidade de apostasia final não necessitam recorrer à gramática e incerteza das versões. Uma leitura cuidadosa do texto pode demonstrar que nele não há nenhuma indicação de que aqueles que saíram da comunhão dos crentes nunca foram verdadeiramente convertidos. A primeira coisa que devemos fazer é perguntar: De quem o apóstolo está falando? Ele está falando de “anticristos” (1Jo 2.18), não de todas as pessoas de todas as épocas que abandonam a comunhão dos cristãos. Barnes reconhece que João está falando daquelas pessoas, mas acrescenta que o texto pode ser considerado como uma verdade universal. E é aqui exatamente onde os calvinistas se enganam. É uma falácia muito bem conhecida dizer que, o que é verdade em alguns casos, deve ser verdade em todos. Esta única consideração é suficiente para provar que este verso não favorece a doutrina da perseverança dos santos.

[1] John Gill, Exposition of the Entire Bible, comentários sobre 1Jo 2.19.
[2] Albert Barnes, Notes on the Bible, comentários sobre 1Jo 2.19.
[3] Jamieson, Fausset e Brown, Commentary, comentários sobre 1Jo 2.19,
[4] Adam Clarke, Commentary on the Bible, comentários sobre 1Jo 2.19.

O Calvinismo Evangélico é compatível com a Livre Oferta do Evangelho?

Por Paulo Cesar Antunes
O Calvinismo Evangélico defende a Livre Oferta do Evangelho para todos, eleitos e não eleitos, ao mesmo tempo em que defende a Eleição, Expiação e Graça limitadas aos eleitos.
À primeira vista, parece difícil, senão impossível, harmonizar essas crenças. Por exemplo, se Deus não fez provisão para a salvação dos não eleitos, como pode haver uma oferta sincera de salvação para eles?
O calvinista, no entanto, acredita que é possível harmonizá-las. Ele responde que Deus oferece salvação a todos, eleitos e não eleitos, sob a condição de que eles creiam, e caso fizerem exatamente isso, é certo que Deus efetuará a sua salvação. Ele conclui, então, que a oferta de salvação é sincera.
Um novo problema surge de imediato. Os não eleitos são incapazes de crer, e não parece haver sinceridade numa oferta que requer uma ação de alguém que está impossibilitado de executá-la.
Seria zombaria de minha parte se eu oferecesse um copo de água a um paralítico sedento sob a condição de que ele venha andando pegá-lo.
Mas tal problema tem solução. Como o ser humano causou a sua própria incapacidade, não é nenhuma zombaria exigir o que ele deve [mas é incapaz de] fazer.
O grande problema, na verdade, é outro. Estamos vivendo sob a graça e a salvação é oferecida nesta base.
Se Deus está oferecendo salvação aos não eleitos sob a condição de que eles creiam, e eles devem fazer isso sem qualquer auxílio da graça de Deus, isso já não é mais salvação pela graça, mas significaria, no final das contas, que Deus está oferecendo salvação parcialmente pelas obras aos não eleitos. O Evangelho não ensina isso.
O calvinista responde que ao não eleito é concedida graça comum, e se ele fizer bom uso dessa graça, Deus irá conceder graça especial também.
Mas visto que Deus não tem pretensões salvíficas na concessão da graça comum, essa resposta não ajuda em nada. Permanece o fato que os não eleitos devem fazer sua parte para só então Deus fazer a sua.
Isso é Semipelagianismo.
Portanto, a conclusão só pode ser que o Calvinismo Evangélico é incompatível com a Livre Oferta do Evangelho.

GRAÇA PREVENIENTE – UMA PERSPECTIVA WESLEYANA

Leo G. Cox PH.D*

O ponto comum sobre o qual nós, como teólogos evangélicos, estamos é importante e a discussão na área de nossas concordâncias é de grande valor. Embora concordemos que a Palavra de Deus é incontestavelmente verdadeira, nossas mentes falíveis frequentemente pegam caminhos divergentes em suas tentativas de entender isso. A comunhão cristã, então, baseia-se mais no amor e na compreensão do que em uma completa concordância em todas as doutrinas.

A discussão ocasional de algumas de nossas diferenças também é útil na medida em que recebemos uma melhor compreensão mútua. Para conhecer e apreciar a visão de outro, mesmo quando não concordamos com isso, construímos amor e comunhão cristã no Espírito. É por esta razão que este documento sobre graça preveniente foi preparado. Espera-se que este esforço tornará mais compreensível uma das ênfases distintas nos círculos wesleyanos.

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Brian Abasciano, “abordando o desafio calvinista”, por que você crê e seu próximo não? “

Para muitos calvinistas, o melhor argumento a favor do calvinismo e contra o arminianismo pode ser implicitamente transmitido por questões como: “Qual a diferença entre quem crê em Cristo e aquele que rejeita Cristo? Por que alguém crê e o outro não? Não deve ser que exista algo melhor sobre aquele que crê que o leve a crer? “O cerne deste  questionamento é que deve haver algo melhor naquele que crê do que naquele que não crê, produzindo a fé e a salvação sobre a bondade do homem, em vez da graça de Deus, dando ao crente um fundamento para se gabar e dando a glória pela salvação do crente em vez de Deus.

Amo a questão, porque destaca tão bem a diferença entre o arminianismo e o calvinismo, revelando o arminianismo como a posição mais bíblica e racional. Confiar em outro não dá glória ao crente e toda a glória para o confiável. A fé é a renúncia de qualquer mérito, mas é a confiança em Deus e seu favor imerecido. Assim, a fé é o veículo perfeito através do qual Deus poderia ter uma base justa para a responsabilidade e, no entanto, não há mérito na base da responsabilidade. O Arminiano não precisa fugir do fato de que há realmente uma diferença entre o crente e o incrédulo que leva à salvação versus a condenação. Devemos abraçá-lo. Isso é o que torna a salvação dos crentes ser de Deus e a condenação dos incrédulos não arbitrária. Esse é ponto que queremos reivindicar contra a visão de que Deus salva incondicionalmente. É o meio não meritório da fé através da qual somos salvos. Marque bem: a questão de qual a diferença entre quem tem fé e quem não tem é simplesmente aquele que confia em Deus e o que não o faz. É por isso que Deus salva um e condena  outro, por sua própria vontade e graça soberana. Ele não é obrigado, mas por um favor imerecido, considera a fé como justiça. E isso prevê uma base não arbitrária de salvação não meritória e condenação meritória, de modo que toda a glória é de Deus pela salvação e toda a culpa vai para homem por sua própria condenação. Deus é tão sábio.

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