O GRANDE DIVISOR – INTENCIONALIDADE E PARTICULARIDADE/ETERNALIDADE: 1 TIMÓTEO 2:8-15 COMO UM CASO DE PROVA[1]

Por Gordon Fee

Nos dois capítulos anteriores, argumentou-se (1) que a hermenêutica evangélica tem como tarefa principal a necessidade de ouvir a palavra de Deus dentro das palavras humanas das Escrituras, sem diminuí-la como uma palavra eterna, como a hermenêutica liberal tantas vezes faz, nem consagrar todos os detalhes, como o fundamentalismo tantas vezes faz – mas de maneiras inconsistentes e frequentemente levianas; (2) que o caminho a seguir ainda reside na questão da intenção autoral; descobrir o que o autor humano quis dizer com suas palavras, e por quê, é ao mesmo tempo ouvir a palavra eterna de Deus; e (3) que uma hermenêutica dos imperativos do Novo Testamento deve ter como objetivo uma reflexão sobre o evangelho, em vez de um código de leis.

Neste ensaio, quero retornar à questão dos imperativos e da intenção do autor, e farei isso levantando um dos problemas hermenêuticos mais difíceis — criado pelos fatores de distanciamento do tempo e da cultura mencionados no capítulo 2. A questão é: visto que Deus proferiu sua palavra em circunstâncias historicamente particulares, quanto dessa particularidade faz parte da palavra eterna? Por exemplo, se concordamos que os textos nos chamam a praticar a hospitalidade, devemos lavar os pés como forma de demonstrá-la? O particular (lavar os pés) é a única — ou necessária — maneira de obedecer ao eterno (demonstrar hospitalidade)? Se concordamos (e nem todos concordam, apesar de 1 Coríntios 11:5) que as mulheres podem orar e profetizar, devem fazê-lo com a cabeça coberta para manter intactas as distinções entre homens e mulheres?

É importante notar, desde já, que chegamos agora a uma das questões verdadeiramente delicadas para a hermenêutica evangélica. De fato, alguns rejeitariam a própria maneira como formulei a pergunta e, em particular, como formulei os dois exemplos. No entanto, estou convencido de que todos os evangélicos fazem essa distinção de uma forma ou de outra — embora raramente, ou nunca, a articulem — e que a falta de articulação sobre esse assunto é uma das principais razões tanto para muitas inconsistências hermenêuticas quanto para muitos dos legalismos comportamentais que abundam entre nós.

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ENSINANDO E USURPANDO AUTORIDADE

1 TIMÓTEO 2:11-15

Linda L. Belleville

A BATALHA EM TORNO DE LÍDERES MULHERES na igreja continua a se acirrar nos círculos evangélicos. No centro da tempestade está 1 Timóteo 2:11-15. Apesar de um amplo espectro de textos bíblicos e extrabíblicos que destacam líderes femininas, este texto continua a ser percebido e tratado como a grande divisão no debate. De fato, uma interpretação hierárquica desta passagem tornou-se, para alguns, um teste decisivo para o rótulo evangélico e até mesmo uma necessidade para a salvação de descrentes.[1]

As complexidades de 1 Timóteo 2:11-15 são muitas. Quase não há uma palavra ou frase que não tenha sido examinada com atenção. O foco aqui será nas principais questões interpretativas (contexto, tradução, o infinitivo grego authentein, gramática e contexto cultural) e nas preocupações comuns a respeito do que este texto diz sobre homens e mulheres em posições de liderança e autoridade. Esta análise fará uso de uma ampla gama de ferramentas e bancos de dados recentemente disponíveis que podem lançar luz sobre o que todos admitem serem aspectos acaloradamente controversos da passagem.

CONTEXTO

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O QUE EVA FEZ, O QUE AS MULHERES NÃO DEVEM FAZER: O SIGNIFICADO DE αὐθεντέω EM 1 TIMÓTEO 2:12

Andrew C. Perriman

Expulsão de Adão e Eva (Alexandre Cabanel)

Resumo

1 Timóteo 2:12, por razões óbvias, tem sofrido considerável impacto acadêmico nos últimos anos. Investigações lexicológicas cuidadosas minaram a interpretação tradicional de αὐθεντέω como “ter autoridade sobre” e trouxeram à luz várias nuances de significado, sem, no entanto, demonstrar claramente sua relevância para a passagem. Pesquisas aprofundadas sobre o ambiente religioso de Éfeso também sugeriram perspectivas alternativas, mas novamente com validade exegética duvidosa. O argumento deste artigo é que, se for dada mais atenção ao caráter estrutural e figurado da passagem, surge uma leitura que leva em conta tanto o sentido próprio de quanto as circunstâncias particulares em que a injunção de Paulo foi dada.

No debate sobre a posição das mulheres na igreja, um dos problemas exegéticos mais difíceis de decifrar tem sido o significado de αὐθεντέω em 1 Timóteo 2:12, onde Paulo diz que não permite que uma mulher ensine, ou seja, οὐδὲ αὐθεντέω ἀνδρὸς. Uma quantidade considerável de esforço e conhecimento técnico foi investida na tarefa de reunir e analisar as evidências lexicológicas disponíveis, mas os resultados foram inconclusivos. A interpretação tradicional, “ter autoridade sobre”, foi questionada, mas nenhuma das alternativas propostas se mostrou inteiramente convincente. Essa falha, eu sugeriria, é atribuível a dois descuidos específicos, um lexicológico e outro relacionado ao caráter literário da passagem. Uma vez corrigidos, torna-se possível dar uma explicação bastante precisa do motivo pelo qual Paulo usou essa palavra neste ponto e, com isso, determinar o escopo de sua aplicação.

I. A Estrutura Literária dos versos 11-15

Para compreender o desenvolvimento do pensamento em 11-15, sugiro que observemos duas características estruturais importantes, mas até então ignoradas. A primeira é o caráter parentético de 12. Gramaticalmente, o versículo é desajeitado e elíptico: ἐπιτρέπω, por exemplo, não é o antecedente governante adequado para εἶναι ἐν ἡσυχίᾳ, que requer algo como pαρακαλῶ ou Βούλομαι (cf. 1, 8). Tampouco decorre naturalmente de 11, particularmente com a mudança do imperativo (μανθανέτω) para o indicativo (ἐπιτρέπω). A posição enfática de διδάσκειν pode apontar na mesma direção;[1] e a repetição de “ἐν ἡσυχίᾳ” também seria mais facilmente explicada se o versículo fosse algo como uma reflexão tardia, uma interpolação construída às pressas. Mais significativo, no entanto, é o fato de que a discussão sobre Adão e Eva (13-14) não se relaciona – pelo menos não abertamente – com a mulher ensinando, mas com a mulher aprendendo: a ênfase não está no que Eva disse ou fez, mas no fato de que ela foi enganada. Paulo exige que as mulheres, em contraste, aprendam de tal forma que não sejam enganadas. O γὰρ do 13, portanto, remete naturalmente a 11, apoiando não a injunção contra o ensino, mas a μανθανέτω ἐν πάσῃ ὑποταγῇ.

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1 Timóteo 2:12 em Contexto (5): A Criação e a Salvação de Eva

1 Timóteo 2:13-14

“Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi enganado,[1] mas a mulher, sendo completamente enganada, caiu em transgressão.” (NASB)

Muitos cristãos afirmam que a razão pela qual as mulheres não podem ser líderes e mestres de homens é porque o homem foi criado primeiro e depois a mulher. Essas pessoas acreditam que implícita na ordem da criação está uma ordem de liderança. No entanto, nem liderança nem submissão são reconhecidas ou sequer insinuadas em Gênesis 2, ou nos outros dois relatos bíblicos da criação, em Gênesis 1 e 5, e não creio que seja isso que Paulo queria dizer em 1 Timóteo 2:13. [Meu artigo sobre O Conceito Complementar da “Ordem Criadaaqui.]

Mas antes de relatar o que acho que Paulo pode ter dito nos versículos 13 e 14, vamos dar uma olhada nos relatos da criação de Adão e Eva. (Veja também Mateus 19:4 e Marcos 10:6-8.)

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1 Timóteo 2:12 em Contexto (4):1 Timóteo 2:11–12 — Frase por Frase

Chegamos agora à passagem que tem sido usada pela maior parte da igreja, ao longo da maior parte de sua história, para proibir as mulheres de qualquer ministério que envolva ensinar e liderar homens.

A mulher receba a instrução em quietude, com inteira submissão. Mas eu não permito que a mulher ensine, nem domine o homem, mas que permaneça em quietude. Pois Adão foi criado primeiro, e depois Eva. E não foi Adão que foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Contudo, ela será salva dando à luz filhos, se permanecer na fé, no amor e na santidade, com moderação. 1 Timóteo 2:11–15

Versículo 11: A mulher aprenda em quietude e com toda a submissão.

O versículo 11 é o único versículo nesta passagem que contém um mandamento: “A mulher aprenda…”. Esta instrução é significativa, pois muitas mulheres naquela época não eram bem letradas e não eram incentivadas a aprender. Observe, no entanto, que Paulo não está dizendo aqui que as mulheres devem aprender. “Mulher” é singular e não plural no versículo 11. Pode ser que Paulo esteja escrevendo sobre uma mulher, isto é, uma mulher efésia específica que não era quieta e que se comportava mal de alguma forma.

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1 Timóteo 2:12 em Contexto (2): Ártemis de Éfeso e seu Templo

O Templo de Ártemis no Primeiro Século d.C.

A antiga Éfeso era uma das maiores cidades da província romana da Ásia Menor e, no primeiro século d.C., pode ter tido uma população de cerca de cem mil habitantes. A cidade tinha um movimentado porto marítimo e estava situada em uma junção de duas estradas principais que levavam ao interior da Ásia Menor. “Devido à sua posição geográfica estratégica, Éfeso serviu à província senatorial romana da Ásia como o centro de comércio e comunicação.” (Arnold 1989: 13)

Os efésios eram bem conhecidos em todo o mundo greco-romano por sua devoção entusiástica à deusa Ártemis e por seu magnífico templo dedicado a ela. O templo era uma das sete maravilhas do mundo antigo e “era o maior edifício do mundo grego, cerca de quatro vezes maior que o Partenon ateniense.” (Baugh 2005: 19) Feito de mármore sólido, as dimensões deste edifício monumental eram de 115 metros por 55 metros. As 127 colunas jônicas do templo tinham 18 metros de altura e eram decoradas com frisos ornamentados, brilhantemente dourados em prata e ouro. O altar era grande o suficiente para sacrificar centenas de animais simultaneamente. (LiDonnici 1999: 85)

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Mas o que dizer de 1 Timóteo 2:12?” Dez pontos de discussão

“Não permito que a mulher ensine nem assuma autoridade sobre o homem; ela deve estar quieta.” (1 Timóteo 2:12 NIV).

Este versículo continua a ser um obstáculo que impede as igrejas de avançarem em direção a uma teologia mais robusta das mulheres.

Em “Desarmando a bomba de 1 Timóteo 2:12”, abordei como o contexto, a tradução e a interpretação sugerem que a principal preocupação de Paulo aqui era abordar o falso ensino em vez de fazer uma declaração mais ampla sobre restringir os papéis das mulheres.

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1 Timóteo 2:12 em Contexto (3): A Heresia na Igreja de Éfeso

A Razão de Paulo para Escrever a Timóteo

Por Margaret Mowczko

Paulo declara sua principal razão para escrever a Timóteo logo no início de sua carta. Após uma saudação costumeira, Paulo escreve:

“… fique lá em Éfeso para que você possa ordenar a certas pessoas que não ensinem mais doutrinas falsas [ou outras] ou que se dediquem a mitos e genealogias sem fim. 1 Timóteo 1:3–4a (NVI 2011, itálico meu)[1]

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1 Timóteo 2:12 em Contexto (1): Introdução

Por Margaret Mowczko

1 Timóteo 2:12 como um Texto-prova

Um texto-prova é um versículo ou passagem que alguém sente ser a declaração definitiva sobre um determinado assunto teológico, então este versículo é usado, frequentemente sem contexto, como prova para estabelecer uma doutrina. Para muitas pessoas, 1 Timóteo 2:12 é o texto de prova e o ponto de partida sobre a questão das Mulheres no Ministério, e todas as outras escrituras são vistas através das lentes, ou do filtro, deste versículo em particular.

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